O ano de 2020 foi extremamente desafiador para todos devido à pandemia pela Covid-19. Os grandes congressos médicos foram todos suspensos na sua forma presencial e transformados em eventos transmitidos exclusivamente pela internet, com os palestrantes e coordenadores fazendo as suas apresentações de casa. Apesar dessas limitações, vários estudos importantes na área da Cardiologia foram apresentados e, posteriormente, publicados gerando intensa repercussão na comunidade médica.
Um desses estudos foi o REDUCE. Nesse ensaio clínico randomizado, mais de 13 mil pacientes que faziam tratamento com medicações consagradas para colesterol elevado (as chamadas estatinas) foram aleatoriamente alocados (randomizados) para terapia com ácidos graxos ômega-3 (popularmente conhecidos como óleo de peixe) ou placebo.
O objetivo dessa pesquisa era determinar se os ômega-3 seriam capazes de reduzir as complicações cardiovasculares (como morte, infarto, acidente vascular cerebral entre outras) em pacientes com o seu colesterol já adequadamente tratado com estatinas.
Apesar de abordagens anteriores terem sugerido um benefício adicional do uso do óleo de peixe nesses pacientes, nesse grande estudo o uso desses agentes não foi capaz de reduzir a ocorrência das complicações cardiovasculares, o que colocou em dúvida a utilidade dessa classe de medicamentos para redução do risco de complicações em pacientes com colesterol elevado.
Outro estudo interessante foi o LoDoCo2, no qual mais de 5,5 mil pacientes com quadro de doença coronariana crônica (ou seja, presença de placas de gordura nas artérias coronárias que não causam infarto ou angina instável) foram randomizados para o uso da colchicina (uma medicação anti-inflamatória usada no tratamento das crises aguda de gota) ou placebo.
Os resultados dessa pesquisa mostram que o emprego da colchicina esteve associado a uma redução significativa da ocorrência de infarto, da necessidade de realização de procedimentos invasivos (como o implante de stent ou a cirurgia de ponte de safena) e, também, da mortalidade por causas cardiovasculares. Esses achados sugerem que a colchicina pode melhorar a evolução desses pacientes quando associada ao tratamento padrão.
Em relação ao melhor tratamento antitrombótico em pacientes submetidos ao implante de válvula aórtica por cateter, um importante ensaio clínico foi apresentado. O estudo POPular TAVI demonstrou que, em pacientes que já usam anticoagulantes (medicações que impedem a coagulação do sangue), não há necessidade de acrescentar um medicamente que bloqueie a ação das plaquetas (clopidogrel). Já em pacientes que não usam anticoagulantes, a indicação é usar apenas a aspirina isoladamente após o procedimento, pois a adição do clopidogrel, além de não oferecer um benefício adicional, ainda aumenta o risco da ocorrência de sangramentos.
Finalmente, um outro ensaio clínico apresentado em 2020 confirmou que dispomos de uma nova classe de medicamentos, normalmente usada para o tratamento de diabéticos, que pode melhorar a evolução de pacientes com insuficiência cardíaca (“coração dilatado”). O estudo EMPEROR-Reduced envolveu mais de 7 mil pacientes com insuficiência cardíaca e tratamento adequado com medicações com eficácia comprovada e que foram randomizados para o uso da medicação empaglifozina ou placebo.
O uso da empaglifozina reduziu de forma substancial a ocorrência de morte cardiovascular ou internação por descompensação da insuficiência cardíaca. Essa pesquisa confirmou os resultados de um estudo anterior (DAPA-HF) que havia demonstrado que uma medicação similar (dapaglifozina) reduz em 31% o risco de morte nesses pacientes, em comparação com o placebo.
Esses resultados são extremamente animadores, pois adicionam mais uma classe de medicamentos capaz de reduzir a mortalidade e as descompensações dos pacientes com insuficiência cardíaca, reduzindo a necessidade de intervenções mais invasivas, como o transplante cardíaco.